Universidades Sustentáveis

     O texto abaixo foi baseado no Trabalho de Conclusão de Curso do acadêmico de Engenharia Sanitária e Ambiental Igor Polla.  (POLLA, Igor Marcelino . Avaliação da Universidade Federal de Santa Catarina como Laboratório vivo de Sustentabilidade. Trabalho de Conclusão de Curso. Engenharia Sanitária e Ambiental: UFSC, 2015).

Universidades Sustentáveis

     Grandes encontros internacionais, promovidos pelas Nações Unidas, têm colocado a “Sustentabilidade” na ordem do dia e promovido grandes debates em torno desse tema. Por possuírem em seus quadros pesquisadores produtores de conhecimento e críticos de nossos padrões de desenvolvimento, as universidades constituem locais promotores de mudanças.

   Como consequência desse movimento, em 1990 foi assinada a Declaração de Talloires. Esta declaração foi a primeira do seu gênero, firmada entre mais de 350 administradores universitários, que comprometeram-se em levar a sustentabilidade às suas respectivas instituições.

     Segundo a Declaração de Talloires, as universidades têm um papel importante na educação, pesquisa, formação política e na troca de informações necessárias para que seja possível um desenvolvimento sustentável. Os líderes universitários devem iniciar e apoiar a mobilização de recursos internos e externos de modo que as suas instituições respondam a este desafio urgente (ULSF, 1990).

Para atingirem os objetivos de um desenvolvimento sustentável, sendo atores ativos e exemplos de sustentabilidade, as universidades signatárias dessa declaração se comprometeram com as seguintes ações (KRAEMER, 2010):

  •  Aumentar a consciência para o desenvolvimento ambientalmente sustentável – usar todas as oportunidades para reforçar a consciência pública, governamental, industrial, institucional e universitária, defendendo publicamente a necessidade urgente de caminhar rumo a um futuro ambientalmente sustentável;
  • Criar uma cultura institucional da sustentabilidade – encorajar todas as universidades a envolver-se na educação, investigação, formação de políticas e troca de informação sobre a população, ambiente e desenvolvimento rumo a um futuro mais sustentável;
  • Educar para a cidadania ambientalmente responsável – estabelecer programas para produzir conhecimento em gestão ambiental, desenvolvimento econômico sustentável, população e domínios relacionados, de forma a assegurar que todos os graduados universitários sejam formados em ambiente adequado educando para serem cidadãos responsáveis;
  • Incentivar a literatura ambiental – criar programas para desenvolver a capacidade do corpo docente de cada faculdade de ensinar matérias ambientais a todos os estudantes universitários;
  • Praticar a ecologia institucional – estimular os dirigentes universitários e os docentes e investigadores ambientais a desenvolverem investigações, políticas, programas de intercâmbio de informação e curricular para um futuro ambientalmente sustentável;
  • Envolver todas as partes interessadas – encorajar governos, fundações e indústria a apoiar a investigação interdisciplinar, a educação, o desenvolvimento de políticas e o intercâmbio de informação em desenvolvimento ambientalmente sustentável. Expandir o trabalho com as comunidades locais e as organizações não governamentais para ajudar a encontrar soluções para os problemas ambientais;
  • Colaborar para abordagens interdisciplinares – reunir professores e gestores universitários com técnicos ambientais de forma a desenvolver abordagens interdisciplinares aos currículos e a iniciativas de investigação, operação e comunicação que suportem um futuro ambientalmente sustentável;
  • Aumentar a capacidade das escolas primárias e secundárias – estabelecer parcerias com as escolas primárias e secundárias para potenciar as capacidades dos seus professores em ensinar assuntos relacionados com a população, o ambiente e o desenvolvimento sustentável;
  • Alargar o serviço e o alcance nacional e internacionalmente – trabalhar com a Conferência da ONU em Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), o Programa Ambiental da ONU (UNEP) e outras organizações internacionais e nacionais para promover um esforço universitário global rumo a um futuro sustentável;
  • Manter o movimento – estabelecer um comitê de acompanhamento e um secretariado para continuar este momentum, informar e apoiar mutuamente os esforços na efetivação desta declaração.

     Ao assiná-la, as instituições signatárias comprometeram-se a criar uma cultura institucional da sustentabilidade, encorajando todas as universidades a envolverem-se na educação, investigação, formação de políticas e intercâmbio de informação em ambiente e desenvolvimento (KRAEMER, 2010).

    Após a Declaração de Talloires, cerca de outras 7 declarações que tratam de sustentabilidade no ensino superior foram assinadas, como apresentado no quadro 1.

 

Quadro 1 – Declarações sobre sustentabilidade no ensino superior.

Nome Ano
Declaração de Talloires 1990
Declaração de Halifax 1991
Declaração de Kyoto 1993
Declaração de Swansea 1993
Declaração de Barcelona 2004
Declaração de Graz 2005
Declaração de Abuja 2009
Declaração de Turim 2009

 

     Em 1992, como consequência da Rio 92, as universidades foram chamadas através da Agenda 21 a serem atores-chave da sustentabilidade, capacitando e dando suporte à sociedade.

     De acordo com Amaral, Martins e Gouveia (2015), as universidades têm um papel primordial nas questões do desenvolvimento sustentável. Recai sobre elas uma importante responsabilidade social para o desenvolvimento da sociedade, na educação dos futuros lideres e na conscientização pública sobre a sustentabilidade. Portanto, as universidades deveriam ser o exemplo de desenvolvimento sustentável.

     Ainda, de acordo com Velazquez et al (2006), a universidade deveria minimizar os efeitos ambientais, sociais, econômicos e de saúde negativos gerados no uso dos seus recursos. Cortese (2003) definiu a universidade como um sistema de quatro dimensões – educação, pesquisa, operação no campus e extensão comunitária. Lozano-Ros (2003) adicionou ainda avaliação e comunicação por relatório como uma dimensão.

    Há muitos exemplos de universidades que procuram diminuir sua pegada ecológica deixando o campus mais “verde”, sendo estas iniciativas geralmente lideradas por estudantes (PETER; WALS, 2013).  Segundo Lozano et al (2014), diante da importância do ensino superior como promotor da sustentabilidade, muitas instituições têm procurado incorporar práticas de desenvolvimento sustentável em suas atividades. Para os autores, notadamente existem sete aspectos principais nos quais uma instituição de ensino superior deve atuar no sentido de promover a sustentabilidade: estrutura organizacional, educação, pesquisa, extensão e colaboração, avaliações e relatórios, sustentabilidade na vivência no campus e operações no campus.

     Segundo Amaral, Martins e Gouveia (2015), as universidades devem ir além das três dimensões da sustentabilidade –  econômica, social e ambiental – incluindo também as dimensões das suas atividades fundamentais: ensino, pesquisa e extensão, além de operações e relatórios.

      Com o crescente envolvimento das universidades com a sustentabilidade, surgiu a necessidade de uma ferramenta que avaliasse a sustentabilidade dessas instituições.


 Experiências em Outras Universidades do Brasil

     No Brasil há programas e iniciativas de universidades que estão no caminho de se tornarem mais sustentáveis e usarem seus campi como laboratório para a sustentabilidade.

    Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi criado, pelo decreto estadual nº. 43.903/2012, o Fundo Verde de Desenvolvimento e Energia para a Cidade Universitária. O fundo recebe recursos oriundos da isenção do imposto ICMS, cobrado pelo governo do estado do Rio de Janeiro sobre a conta de energia elétrica do campus da Cidade Universitária UFRJ, para investir em projetos de melhoria da mobilidade, uso de energia eficiente e produzida a partir de fontes alternativas, redução do consumo de água e da produção de resíduos, e monitoramento de dados e geração de indicadores no campus. O recurso disponível para o Fundo Verde da UFRJ é de aproximadamente R$ 7 milhões/ano. (UFRJ, 2014)

     Dentre os projetos desenvolvidos através do Fundo estão:

  • Programa de Água: a construção de uma estação de tratamento de esgoto (ETE) modelo no campus, para tratamento das águas residuárias com uma avançada tecnologia; medições individuais de água; a reutilização de água de destiladores  ; a instalação de redutores de fluxo;
  • Programa de Energia: a implantação de um sistema de ar condicionado movido a energia solar em um sistema de resfriamento hibrido com gás;
  • Programa de Mobilidade: a instalação de novos bicicletários na Cidade Universitária, aumentando em 200 o número de vagas para bicicletas, as jardineiras elétricas para circulação intracampus; uma van mobilidade-circulação intracampus; a ciclovia do Parque Tecnológico; o projeto transporte solidário.

 

     Já a USP conta com o Campus Sustentável, um programa da Prefeitura do Campus USP da Capital (PUSP-C), que tem por objetivo tornar a USP referência nacional em sustentabilidade ao planejar e desenvolver projetos sustentáveis, consolidando a agenda de sustentabilidade dos campi USP, articulando pesquisa, ensino, cultura e extensão e integrando projetos e ações de sustentabilidade na USP com a cidade.

     As ações da PUSP-C buscam a gestão estratégica e sustentável do campus, e estão norteadas pelos nove projetos do programa: Gestão Territorial das Águas, Gestão Eficiente de Energia, Gestão Integrada de Resíduos, Gestão de Áreas Verdes, Gestão Funcional Urbana, Gestão de Saúde Ambiental, Ensino, Pesquisa e Sustentabilidade, Cultura de Sustentabilidade e Governança do Campus, que surgiram a partir da Política Ambiental da USP. 

     Com seu Plano Ambiental e Estruturante, a Universidade Federal de Lavras (UFLA, MG) foi eleita em 2014 a Universidade mais Sustentável do Brasil e a 26ª do mundo, segundo o ranking da UI GreenMetric World University Ranking. O Plano (UFLA, 2013) compreende: um programa de gerenciamento de resíduos químicos focando ações preventivas de minimização – redução, reuso e reciclagem – e uma adequação do destino final dos resíduos oriundos das atividades de ensino, pesquisa e extensão; coleta seletiva; sistema de prevenção e controle de incêndios; proteção de nascentes e matas ciliares; saneamento básico e estação de tratamento de esgoto; construções ecologicamente corretas e sistema de prevenção de endemias.

 

 Experiências em Universidades Estrangeiras

     A University of British Columbia (UBC), partir da assinatura da Declaração de Talloires, passou a planejar suas ações e programas visando torná-los modelos de sustentabilidade, assim como fazer do campus universitário um laboratório vivo de sustentabilidade como exemplificado na Figura 3 – Esquema do Funcionamento da Sustentabilidade na UBC, onde o campus é o ambiente central do funcionamento dos três eixos. A UBC, segundo seu relatório de sustentabilidade (UBC, 2015), obteve uma série de avanços na sustentabilidade do campus, como: redução de 22%  na emissão de  gases do efeito estufa desde 2007, redução de 56% no uso de água por estudantes desde 2000, 48 programas acadêmicos relacionados à sustentabilidade, 55 projetos de prédios verdes, 66% dos deslocamentos por meios de transporte sustentáveis, 63% de separação dos resíduos, 768 estudantes, professores e funcionários envolvidos em 100 projetos do programa SEEDS (Social Ecological Economic Development Studies).

     O Programa SEEDS visa integrar o trabalho acadêmico e operacional em matéria de sustentabilidade em todo o campus, facilitando as colaborações de estudantes, professores e funcionários. Está inserido no Planejamento Estratégico da UBC e, ao longo dos últimos 15 anos, o programa criou parcerias que permitiram a concretização de mais de mil projetos de pesquisa inovadores e de alto impacto na sustentabilidade no campus da UBC. Tais projetos possibilitaram os estudantes a construir uma melhor carreira profissional através da aprendizagem experiencial. Alinhando os projetos com os planos e estratégias da universidade, estes projetos implementaram e implementam políticas que produzem resultados tangíveis e duradouros para as operações do campus.

      Em 2010, a UBC estabeleceu a UBC Sustainability Initiative (USI), a fim de integrar a sustentabilidade acadêmica e operacional. Em 2014, finalizou a Estratégia de Sustentabilidade para os próximos 20 anos do campus.

         Em 2014, os projetos do programa contribuíram para a implementação dos principais planejamentos da UBC como: O plano de ação Lixo Zero, plano de ação para o clima, plano infraestrutural elétrico e as questões operacionais de sustentabilidade no campus (UBC, 2015).

         A Appalachian University, por sua vez, tem um programa de sustentabilidade que obteve a medalha de ouro do sistema de avaliação STARS. Teve um gasto em 2014 de US$ 619.817,00 em compras de alimentos locais, tendo aumentado de US$ 73.723,00 em 2013; o consumo de água por estudante caiu em 49% entre 2007 e 2014; criaram o Guia de Vida Sustentável (Sustainable Living Guide), que traz recomendações de ações de sustentabilidade no dia-a-dia, como consumir produtos locais, adquirir produtos de qualidade, usar canecas reutilizáveis, entre outros. A universidade ofereceu 228 cursos relacionados à sustentabilidade em nível de graduação e 82 cursos em nível de mestrado. Além disso, 876 cursos incluíram alguns aspectos da sustentabilidade, a partir de uma ampla variedade de programas acadêmicos em toda a universidade.

      A Cornell University também está engajada em tornar suas pesquisas e ensino e o campus mais sustentáveis. A sustentabilidade no campus engloba áreas como: edificações, energia, terreno, compras, resíduos sólidos, ação climática, alimentos, pessoas, transporte e água. Um total de 14 dos seus prédios detém o selo de eficiência em edificações LEED (Leadership in Environmental and Energy Design), sendo três de platina e onze de ouro. A aquisição de 25% de toda a alimentação adquirida vem de no máximo 400 km de distância. As iniciativas englobam também ações de mobilização e engajamento com ações como: Programa de Engajamento Universitário, Conecte com a Comunidade, Campeonato de Redução de Energia, acompanhamento online em tempo real do consumo de energia dos prédios, guias de como deixar os eventos, laboratórios e escritórios mais sustentáveis, núcleo de estudo e ação em diversos temas de sustentabilidade, competição de reciclagem nacional (Recyclemania), guia verde do estudante, e fornecimento de certificados para os edifícios, laboratórios e escritórios sustentáveis.

       A Colorado State University, similarmente, recebeu prêmios de sustentabilidade, tais como: primeira instituição do mundo a alcançar a pontuação platinum no programa STARS; The Princeton Review – Green College Honor Roll, US Department of Education – Green Ribbon Schools, Greenest Colleges, Sierra Magazine – Coolest Schools 2015. Cerca de 90% dos cursos têm projetos de sustentabilidade no currículo; 20 prédios com certificado LEED; 962 dos 2633 cursos da universidade incorporaram o conteúdo sobre sustentabilidade; 532 cursos relacionados à sustentabilidade, de educação continuada, são oferecidos pela universidade em todo o estado do Colorado e online. Atualmente, há 13 painéis solares no campus, que geram 10,4 milhões de kWh por ano, o suficiente para abastecer mais de 1100 residências. A universidade possui um campus na montanha e vários programas de imersão em sustentabilidade. 80% dos alunos possuem uma bicicleta registrada no campus e mais de 60% utilizam a bicicleta para irem ao campus. Em uma enquete feita sobre engajamento e conscientização, 86% dos alunos relatam que sustentabilidade é importante para eles.

       Na Europa, a Leuphana Universität da Alemanha, é uma universidade com o estudo focado em questões de sustentabilidade. Seu ensino é inovador e reconhecido pelo prêmio ZEIT-Wissen Encouraging Sustainability Prize, indicando a integração dos princípios da sustentabilidade em todos os aspectos da vida acadêmica. Da energia que recebe da rede, 100% é energia verde, e ela tem o objetivo de nos próximos anos ter um impacto climático neutro, ou seja, não emitir nenhum gás de efeito estufa no seu campus.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Luís Pedro; MARTINS, Nelson; GOUVEIA, Joaquim Borges. Quest for a Sustainable University: a review. International Journal of Sustainability in Higher Education, v. 16, n. 2, 2015.

CORTESE, Anthony D. The critical role of higher education in creating a sustainable future. Planning for higher education, v. 31, n. 3, p. 15-22, 2003.

LOZANO, Rodrigo et al. Declarations for sustainability in higher education: becoming better leaders, through addressing the university system. Journal of Cleaner Production, v. 48, p. 10-19, 2013.

LOZANO, Rodrigo et al. A review of commitment and implementation of sustainable development in higher education: results from a worldwide survey. Journal of Cleaner Production, 2014.

PETERS, S.; WALS, A. E. J. Learning and knowing in pursuit of sustainability: concepts and tools for trans-disciplinary environmental research, Trading Zones in Environmental Education: Creating Trans-disciplinary Dialogue, 2013.

University of British Columbia, Annual Sustainability Report 214-2015, 2015. Disponível em: < http://sustainubc.ca/wp-content/uploads/2016/01/2014-2015-Annual-Sustainability-Report-

VELAZQUEZ, Luiset al. Sustainable university: what can be the matter?.Journal of Cleaner Production, v. 14, n. 9, p. 810-819, 2006.