UFSC conta com o curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica

06/09/2019 17:57

Por Julia Breda

“Nós somos conhecidos como guardiões da floresta. Nós somos a própria floresta, pois nascemos dentro dela. A nossa luta é pelo direito pleno de viver e reconhecer que nós, indígenas, estamos em todos os lugares: na universidade, na área da saúde, na educação, em todas as esferas.”

Hoje em dia, muito se discute sobre o papel do indígena em nossa sociedade, da sua relação com a terra à sua importância na preservação de antigas sabedorias, há muito esquecidas pelo povo branco. Ao mesmo tempo, milhares de indígenas perdem seus lares para a exploração da agropecuária. 

Não é por acaso que a população indígena hoje é apenas cerca de 10% do que era em 1500, na chegada dos portugueses. Segundo estimativa dos historiadores, o Brasil tinha cerca de 8 milhões de habitantes (indígenas) na época, que não sobreviveram às armas de fogo dos colonizadores.

Mas essa realidade vem mudando, pouco a pouco. O Censo de 2010, segundo o IBGE, revelou crescimento do número de indígenas no país, passando de 294 mil, em 1991 para 817,9 mil. Esse aumento, de acordo com o instituto, poderia ser explicado não apenas como efeito demográfico, mas também pelo aumento do número de pessoas que se reconhecem como parte da população indígena – principalmente dos que vivem em áreas urbanas.

É preciso, portanto, pensar em uma maneira de inclusão dessa população no tecido social brasileiro. Um dos pontos é, portanto, a universidade – já que é um direito constitucional universal (para toda a população brasileira) e um dever do Estado, garantidas as especificações da educação indígena. As ações para a inclusão da população indígena nas universidades são recentes. Desde o início da década de 1990, convênios entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e algumas instituições privadas e comunitárias têm surtido efeito; o vestibular pelo  Programa Universidade para Todos (ProUni) é uma alternativa, desde 2004. 

Atualmente, o ingresso de indígenas no ensino superior público tem ocorrido de maneira mais expressiva por meio de ações em dois segmentos: a constituição de cursos específicos, como o Programa de Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind), de 2005, criado pelo Ministério da Educação (MEC), que supre  parcialmente, a necessidade de formação diferenciada de professores indígenas; e a oferta de vagas especiais ou suplementares em cursos regulares, pela Lei de Cotas (12.711/2012).

O resultado dessas ações dentro das universidades brasileiras está nos relatórios do último Censo da Educação Superior, divulgado pelo Ministério da Educação em 2017. A pesquisa aponta que o número de indígenas matriculados em instituições públicas e privadas cresceu 52,5% de 2015 para 2016, quando  passou a ser obrigatório declarar a raça, o que possibilitou um retrato mais fiel da presença dos indígenas nas universidades. De 32.147, esse número foi para para 49.026.

Mas apenas garantir o ingresso dos estudantes nas universidades não é o suficiente: é preciso que hajam políticas públicas para assegurar sua permanência. Jafe, indígena Sateré-mawé, graduando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirma que isso ainda não acontece. “As universidades não têm uma política verdadeiramente normativa, que possa contemplar a permanência e o ingresso desses estudantes. Não tem um acompanhamento pedagógico. Por isso a evasão de vários deles. O estudante indígena fica completamente vulnerável dentro da universidade. Como se ele estivesse em um ambiente hostil. Fazendo uma comparação, é como se ele fosse para a mata sem conhecê-la”, explica ele.

Mas as dificuldades não param por aí: ao entrar na universidade, a barreira da linguagem também se impõe. Para o vestibular pelo Prolind, a redação deve ser feita em sua língua materna. No entanto, para participarem de vestibulares para outros cursos, é necessário que escrevam em português. Português não é a primeira língua da maioria dos indígenas, que têm sua própria língua nativa, de acordo com sua etnia. Jafe conta que superou esse desafio com muito esforço pessoal e apoio de seus familiares. “Em conversa com meus pais, mesmo de longe, eles me incentivaram e me disseram que eu seria mais um guerreiro no campo de batalha. Que eles estariam me esperando para poder ajudar eles a lutar pelos direitos do povo indígena. Então isso foi o que me motivou a estudar cada vez mais. O próprio povo fica torcendo por nós, para tudo dar certo e a gente se profissionalizar, para voltar e ajudar nosso povo.”

Dentro da UFSC, a principal reivindicação dos estudantes indígenas é uma moradia estudantil que de fato represente a cultura dos povos que moram ali. O pedido é que as necessidades de todas as etnias sejam reconhecidas “Muitas vezes acham que todo o indígena é igual ao outro, que o índio é um só. Isso não existe. No Brasil temos 305 povos, falando 275 línguas, e só na UFSC são mais de 10 etnias presentes. Para nós é importante que se perceba quais povos estão na universidade e qual é o anseio de cada um deles.” afirma Jafe.

Além dela, outra forma de resgatar a cultura desses povos seria por meio do ambulatório indígena, um projeto feito com os estudantes indígenas da área da saúde, (medicina, enfermagem, odontologia), que tentaria abranger a medicina tradicional dos povos originários. Outro ponto importante é a regulamentação do curso de Licenciatura Intercultural Indígena, uma vez que, hoje, ele é apenas um projeto. Esse curso já formou uma turma de profissionais pedagogos, professores, e agora está na segunda edição. O desejo dos estudantes indígenas é que a Universidade faça a efetivação da Licenciatura Indígena, para que o curso abra mais vagas e  mais professores indígenas possam ser formados.

Em 1º de janeiro, o Presidente Jair Bolsonaro editou a MP 870, destituindo todas as atribuições da FUNAI em relação às demarcações de terras indígenas, e tornou responsabilidade da Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento- MAPA. “Isso enfraquece o movimento indígena como um todo. E a gente sabe que quem tá segurando as pontas do meio ambiente são os povos originários, que mantém a tradição, a sua cultura e seu direito de viver. Nós somos conhecidos como guardiões da floresta. Nós somos a própria floresta, pois nascemos dentro dela. A nossa luta é pelo direito pleno de viver e reconhecer que nós, indígenas, estamos em todos os lugares: na universidade, na área da saúde, na educação, em todas as esferas. Eu, como indígena, Sateré-mawé e líder do meu povo, posso dizer que nós estamos aqui na universidade para passar essa mensagem.”