Segundo pesquisadora da UFSC, políticas públicas podem diminuir efeitos do aquecimento global.

23/08/2019 11:31

Para reduzir os efeitos das mudanças climáticas na terra, o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), recomenda medidas como: conhecimento indígena e local, empoderamento de mulheres e múltiplas políticas de posse da terra. A professora Regina Rodrigues, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) destaca os mesmos pontos que o último relatório citado acima. 

A professora Regina tem grande conhecimento na área de pesquisa e já foi editora-revisora do capítulo  Risk management and decision making in relation to sustainable development (Gestão de risco e tomada de decisão em relação ao desenvolvimento sustentável) do documento que discute os impactos do uso da terra em mudanças climáticas, publicado no dia 8 de agosto.

O IPCC escolheu cerca de 107 cientistas, de 25 países para o Special report on climate change and land (SRCCL – Relatório especial sobre mudança climática e terra), quatro brasileiros foram selecionados e entre eles está a pesquisadora. Como editora-revisora, Regina era encarregada de checar a resposta dos autores aos comentários de cientistas credenciados ao primeiro rascunho do capítulo. Depois do primeiro draft estar pronto, ele é disponibilizado para os para pesquisadores de fora comentarem. Onde o revisor deve se certificar que os autores responderam todos os comentários. No caso deste capítulo, ele obteve o total de 1,4 mil comentários e foi necessário uma reunião com todos os autores para que eles respondessem um por um.  Regina não foi a única editora-revisora, ela trabalhou juntamente com o editor-revisor Billie Turner, membro da Academia Americana de Ciência dos Estados Unidos. 

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Regina foi editora-revisora de capítulo no relatório do IPCC. Foto: Jair Quint/Agecom/UFSC

Depois destes comentários, tem uma nova etapa onde o capítulo é reformulado e dessa vez disponível para as avaliações dos governos de todos os países.  Neste caso, foram registrados 1,4 mil comentários novamente. Após todos eles serem respondidos o relatório fica pronto, e com isso o IPCC reúne representantes dos países para aprovar em plenário o Summary for policymakers (SPM – Resumo para formuladores de políticas públicas). O evento com este capítulo aconteceu no dia 8 de agosto, na cidade de Genebra, localizada na Suíça e a durou 30 horas de negociações. “Entra na parte mais política para definir o que vai ficar no sumário. Mas o relatório não pode ser mexido, o que está lá, como evidência científica, fica”, explica a professora. 

O relatório fala sobre a desertificação e a degradação do solo e o impacto na segurança alimentar; Pois a área continental corresponde a 30% do planeta e está excessivamente danificada. Com o crescimento populacional e as mudanças climáticas aumentando a desertificação, logo a área agriculturável diminui, assim colocando em risco a segurança alimentar. O capítulo que a professora participou foi responsável pelo fechamento do relatório, que teve o foco de mostrar todas as evidências de políticas públicas que reduzam isso. 

No Brasil os pontos mais controversos são os biocombustíveis e o consumo e produção de carne. “A produção de carne tem um impacto muito grande na degradação do solo e não é eficiente em termos de retorno energético para a gente. A recomendação é ter uma dieta mais balanceada com a diminuição do consumo de carne, principalmente carne vermelha. Mas veja que não se está dizendo para virar vegetariano ou vegano” comenta a professora. 

Com tudo, o relatório não pode dizer o que se fazer ou não, deve-se apenas ser citadas provas, evidências, literatura científica, no que há alta confiança. “Por exemplo, há bastante evidência científica que reduzir o consumo de carne ajuda a coibir, ou colocar menos pressão, no uso do solo e sua consequente degradação, além de diminuir as emissões de gases do efeito estufa”. A substituição do uso de combustíveis fósseis por biocombustíveis é limitada, já que também compete pela terra para produção de alimentos, afetando a segurança alimentar.

Um dos principais temas do relatório é a utilização de “caminhos socioeconômicos compartilhados”, que retratam os cenários possíveis para o ano de 2100 suas respectivas consequências. “A principal mensagem do relatório é esta: não existe uma bala de prata, que resolva todos os problemas. Se a gente conseguir a sinergia de políticas públicas, ficamos no risco moderado. Se continuarmos na atual situação, vamos ter um risco muito alto, é inevitável a desertificação, degradação e insegurança alimentar. Os modelos e a ciência mostram isto”, explica Regina.

Este relatório lida com o uso do solo, representando assim 23% das emissões de gases que provocam o aquecimento global; os outros 77% representam à queima de combustíveis fósseis. A professora ressalta o essencial resultado do relatório dizendo que “As políticas públicas têm que conter soluções conjuntas (não existe bala de prata) e serem orgânicas, isto é, que sejam adaptáveis à medida que vamos avançando. Essas políticas só terão sucesso se conhecimento local e indígena seja levado em consideração, com inclusão das mulheres no campo e políticas de distribuição de terra revistas”.

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E para concluir ela menciona um conhecimento que não foi obtido no relatório, mas sim quando trabalhava na Rede Clima: “Não precisa desmatar mais para expandir a agropecuária. Há várias áreas já desmatadas que estão inativas. Além disso, 75% do que comemos vem de agricultura familiar. O argumento de que precisa desmatar para alimentar mais gente é falho”. Complementa dizendo na importância da Amazônia para o Brasil e, em especial para as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Caso for desmatada a ponto de não conseguir o retorno da floresta, pode ser causado a sua savanização, diminuindo o suprimento de umidade para o resto do país e afetando a agricultura. Lembrando que o uso indiscriminado de água para a irrigação não é algo sustentável.

Mais informações em: https://www.ipcc.ch/report/srccl/